Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

Costuma se dizer que a história se repete. Pode ser, mas às vezes o que se mantém inalterada é a forma de se lidar com determinadas situações. É o caso do texto que deixo essa semana. Quase dez anos depois, a mentalidade segue a mesma. Boa leitura.

A Guinada Interrompida

2003. Após a pífia participação no Campeonato Estadual, o Flamengo decide alterar sua filosofia de trabalho para o Brasileiro. Ao invés de treinadores de linha mais motivadora e paternalista, procura por uma comissão técnica de pensamento mais rígido, alinhada com a nascente “profissionalização” do futebol no país. Nesse contexto, é contratado Nelsinho Baptista.

Nelsinho, nome amplamente aceito no mercado paulista, onde emergiu levando o desconhecido Novorizontino a um vice Estadual e o Corinthians a um Brasileiro, é conhecido por saber manejar elencos limitados extraindo-lhes máxima competitividade e resultados impensáveis. Num cenário onde um Flamengo sem perspectivas acena apenas com a fuga do rebaixamento, Nelsinho parece deter o perfil adequado.

E logo na chegada se sabe que o desafio será intenso. Com um elenco extremamente limitado, liderado por Júlio César, Fábio Baiano, Fernando (o Brucutu), Athirson e Felipe, e “turbinado” pelas presenças de nomes como Jean, Fernando Baiano, Igor, Fernando Diniz, André Gomes e Zé Carlos (ex-Botafogo), o Flamengo, desde já, mostra-se novamente visando a um horizonte modesto, permeado pela busca pela permanência na Série A, evitando o rebaixamento que acometeu o Botafogo no ano anterior, por exemplo.

E a “Era Nelsinho” começa com muito trabalho, suor, transpiração. O treinador aparece com práticas usuais, que soam inovadoras no engessado ambiente da Gávea. Treinos em período integral, exaustivas sessões de treinamento tático, repetição de jogadas ensaiadas. Cronistas e torcedores assombram-se com a metodologia de Nelsinho, que mantém um discurso moderado, mas firme.

E logo vêm os resultados. De maneira inimaginável, o Flamengo mostra-se competitivo desde as primeiras rodadas do Brasileiro e chega a disputar a liderança, após vencer o Bahia (2-1 na Fonte Nova, jogo da incrível falha de Júlio César), enfiar 4-1 no Fluminense, vingando-se do Estadual, arrancar um empate com o Corinthians (1-1 no Pacaembu) e vencer o Vitória (2-1, gol no finalzinho). Na Copa do Brasil o time também avança, após um início titubeante, e já chega às Semifinais, onde enfrentará o Sport.

A presença entre os quatro melhores do Brasileiro e nas Semifinais da Copa do Brasil rapidamente provoca um choque de expectativa na diretoria flamenga, que fala em ganhar uma das competições, ou mesmo as duas. A bombástica contratação do atacante Edílson, que retorna ao clube, ajuda a acender ainda mais essas expectativas, embora Nelsinho, a todo custo, tente manter os pés no chão. Logo o treinador aprenderá que na Gávea os pés não costumam fincar-se muito tempo ao solo.

O limitado elenco começa a mostrar severas dificuldades em se manter focado nas duas competições. Em uma semana desastrosa, sofre duas goleadas humilhantes em Curitiba, afastando-se das primeiras posições do Brasileiro. Simultaneamente, consegue eliminar o Sport, após duas partidas duríssimas (1-0 em Recife, gol de Edilson e um penoso 0-0 no Maracanã, após um gol salvo em cima da linha por Fabiano Eller) e chegar à Final da Copa do Brasil. Mas o adversário é o Cruzeiro, que vem voando no Brasileiro e possui uma equipe montada há pelo menos nove meses.

Mesmo assim, a diretoria vende à torcida a exigência do título, enquanto aceita uma desastrosa troca de datas das partidas finais (garantindo ao Cruzeiro o direito de atuar com todos os seus titulares, sem perdê-los para a Seleção). Nelsinho atua fechadinho e consegue fazer uma partida equilibrada no Maracanã (1-1), mas é metralhado por conta de seu esquema de jogo “retrancado”. Em Minas, pressionado, monta um time mais ofensivo, mas leva 3-1 e escapa de uma goleada histórica.

A perda do título da Copa do Brasil corrói definitivamente a relação de Nelsinho com a diretoria flamenga, que já andava resmungando contra o futebol pragmático da equipe (e reverberando as queixas de certos setores descontentes com o seu excesso de “profissionalismo”). Alguns jogadores também se ressentem do jeito sisudo, quase autoritário, do treinador, que assim vai se isolando.

Nelsinho ainda resiste algumas rodadas, onde colhe bons resultados (2-1 no Vasco e 3-0 contra um time misto do Cruzeiro, naquela que deveria ser a data da Final da Copa do Brasil). Mas, cada vez mais contestado, vê um time apático sofrer vários reveses sucessivos, e após uma humilhante derrota no Maracanã para o Fortaleza (0-2), que faz o rubro-negro vislumbrar perigosamente a metade inferior da tabela, Nelsinho é demitido.

O Flamengo voltará a recorrer a treinadores de perfil mais “humano”, como Oswaldo de Oliveira e seu irmão Waldemar Lemos, e com eles chegará a um honroso (dadas as circunstâncias) oitavo lugar.

A Nelsinho será reservado um lugar na história flamenga, acomodando-se ao lado de nomes como Yustrich, Dino Sani, Celso Roth e Cuca, profissionais que, independente do nível do elenco de que dispunham, perceberam que, para vingar na Gávea, é necessário um certo “algo mais”, que transcende a mera capacidade de montar equipes e dirigir elencos.

É preciso entender certas peculiaridades.